Projeto Lerelena

Projeto Lerelena

Em homenagem ao centenário do nascimento da poeta paranaense Helena Kolody iniciamos o Projeto Lerelena.

Nove poetisas do sul brasileiro se propoem ao desafio de ler relendo (ler helena) e interInvencionar. A proposta é confluir e colidir a nossa letra com a dela, helena. As interInvenções serão sempre sensibilizadas por poemas seus. Nesta primeira etapa partiremos de nove poemas que serão postados a cada sexta-feira.


Miragem no caminho (Helena Kolody)

Perdeu-se em nada,

caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.

(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho.)



sábado, 9 de junho de 2012

A performance dos olhos 1



A performance dos Olhos em saída à linha desconhecida (ou estrada)




Esperar a mudança do/no outro é desesperar
A mudança não admite enlace, a mudança desenlace
Descendente perfeito do corpo fraco e sujo o desenlace é linha comprida linha espera linha desespera sem saída



O caminho pedregoso de minas
é o mesmo caminho pedregoso do paraná
A estrada fim do mundo conexão ao mar estadunidense é
a mesma estrada fim do mundo conexão ao nada paranaense

A voz do menino é a voz de Deus?
A voz da menina é a voz de Maria?
(Maria que sempre será a mesma Maria dos versos decorados da Cecília) 
(Cecília que sempre será a mesma Cecília da escolha versificada deste ou do outro)

Agora Deus, talvez seja Bruna.... Bruna é sempre um outro, uma outra performance
Mas quem é o outro senão mais uma performance do eu?
Quem é Bruna?
Bruna é a performance dos Olhos?

A performance dos olhos segue pela linha desconhecida
Encontra o céu casado com o pasto verde e o conjunto de nuvens plasmadas
Plasma com o corpo de vacas brancas e uma preta e um boi terra vermelha
E elas param e elas querem ser pintadas e elas não olham o olho saliente e elas correm
[do carro boi preto]

E o caminho que curveia é outro
E as nuvens carregam o espaço pesado da água que cai
E a estrada estratifica a voz do menino-menina-deus 
E a performance dos olhos quase queima
E como um leitor de ou isso ou aquilo, volta
Espera a mudança do outro.


Esperar a mudança do/no outro é desesperar
A mudança não admite enlace, a mudança desenlace
Descendente perfeito do corpo fraco e sujo o desenlace é linha comprida linha espera linha desespera sem saída



A performance dos olhos


Nova arte poética
A performance dos olhos

                        Carolina Mattar

06-02-11
A performance dos Olhos em noite havaiana


O motor da arte poética é o sentido
O sentido do poeta é o olho
O olho e sua lenta escrita é uma performance,
a performance dos olhos

A imagem desta noite é membrana de haikai
Vestido laranja florido (de perna aberta)
Coturno vigilante largo-apertado
Fita isolante
Tranças trancadas no couro infantil de meninotas enfeitadas em noite de baile



O motor da arte poética é o sentido
O sentido do poeta é o olho
O olho e sua lenta escrita é uma performance,
a performance dos olhos

Leituras de junho: Clarice Lispector

HISTÓRIA DE COISA
O telefone pertence ao mundo das coisas. É um objecto vivo – faço questão de que seja “objecto” e não “objeto”. O “c” é o osso duro do telefone. Ele é um ser doido. É valsa de Mefistófeles. A autópsia do telefone dá pedaços de coisas.
Às vezes, quando disco um número, toca, toca, toca sem parar e ninguém atende: comunico-me pálida com o silêncio de uma casa oca. Até que não aguento a tensão e, nervosa, de súbito desligo, nós dois com taquicardia.
O telefone é insolúvel. O telefone é sempre emergente. As palavras não são coisas, são espírito. O telefone não fala objectos, fala espírito.
Mas eu duvido da minha própria dúvida – e não sei mais o que é coisa e o que é eu diante da coisa. Ou se trata da tirania das palavras? Tomo cuidado para não pensar demais. Faz mal às palavras.
Mas o telefone obedece a uma lei inalterável e a um princípio eterno e dinâmico. Eu me ajusto à minha incerteza certa da certeza do telefone.
Apesar de tantas conversas e palavras – o telefone é solitário. E mantém segredo. Indiscrição? Solitude.
O telefone é uma estrela. Ele se estrela todo estridente em gritos ao soar de repente em casa. Atendo, digo “Alô” – e ninguém fala. Fico ouvindo a respiração de quem me ama e não tem coragem de falar comigo.
E quando o telefone nunca toca? A grande solidão: eu olho para ele e ele olha para mim. Ambos em estado de alerta.
Até que não aguento mais e disco o número de um amigo. Para quebrar o silêncio grande.
E quando eu me comunico com o sinal de comunicação? É um enigma: eu me comunico com um “não”. Quando disco e dá sinal de ocupado, estou me comunicando com o sinal de comunicação. Com o próprio enigma, pois estou me comunicando com “não, não, não, não, não, não”. E espero angustiada que o “não, não, não” se transforme em “sim, sim, sim”. O sinal abençoado da chamada positiva de repente é: alô? de onde fala?
Eu queria saber se existe o número 777-7777. Se existe comunico-me com o além.
O telefone é como a girafa: nunca se deita. E, apesar de ser usual, é como a girafa: inusitado.
Sinto o telefone me esperar quando ele não estabelece logo uma ligação. Ouço uma respiração contida, contia, contida.
O telefone é um ser infeliz. Ele pode se desesperar e de repente transmitir uma notícia ruim que pega a gente desprevinida. Mas quando pode, dá notícia alegre. Eu então rio baixinho.
Não adianta me explicarem como funciona o telefone. Como é que eu disco um número em casa e outra casa responde? Raio laser? Não. Astronauta, sim. Como é que na Idade Média e na Renascença as pessoas se comunicavam?
Na Suíça a gente pede à telefonista para nos acordar a tal e tal hora. E também tem um serviço ótimo: a gente pergunta uma pergunta que só uma boa enciclopédia responderia. A telefonista pede para aguardar um prazo e depois telefona informando.
No Brasil demora meses ou até anos para a gente conseguir obter um telefone. Em New York um brasileiro pediu à telefonista para adquirir um telefone com muita urgência. Ela disse que não podia dar com urgência. O brasileiro desanimado perguntou quando conseguiria. Para seu pasmo, ela disse: só aqui a três dias.
Não digo o número de meu telefone porque é de grande segredo.
Meu telefone é vermelho.
Eu sou vermelha.
Tenho que interromper porque o telefone está tocando.
Assinatura de Clarice Lispector.