Projeto Lerelena

Projeto Lerelena

Em homenagem ao centenário do nascimento da poeta paranaense Helena Kolody iniciamos o Projeto Lerelena.

Nove poetisas do sul brasileiro se propoem ao desafio de ler relendo (ler helena) e interInvencionar. A proposta é confluir e colidir a nossa letra com a dela, helena. As interInvenções serão sempre sensibilizadas por poemas seus. Nesta primeira etapa partiremos de nove poemas que serão postados a cada sexta-feira.


Miragem no caminho (Helena Kolody)

Perdeu-se em nada,

caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.

(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho.)



sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Projeto Lerelena 4 - Fio d´água

Fio d’Água

                 (Helena Kolody)


Não quero ser o grande rio caudaloso
Que figura nos mapas.
Quero ser o cristalino fio d’água
Que canta e murmura na mata silenciosa.







Dois passarinhos
                          (Anali Mattar)

Na estreita via
três homens ocupam metade da rua
No parapeito um passarinho espera a chegada de asas apressadas

Quem quero ser não sei
Sou a lágrima que escorre na calçada depois da queda da máquina.




Cora Kolody 
                   (Amandoada)
 

Dizia Cora que o mais importante é o decidir...
dançar pelos caminhos
com a alma tecida por por fios d'água
flores entre as tranças do cabelo
e vestes de lianas da mata silenciosa.

Dizia Cora que o mais importante é o decidir
Dizia Cora que o mais importante
Dizia Cora

Dizia  



(des)crente  
               (Olivia Lucce)

sinceramente
a gente mente
ao não ser a gente
assim não se sente
dolorosamente




 Não se trata de me esconder 
                                           (Denise Vieira)

Não se trata de me esconder
mas talvez de não mostrar

à entidade TODOS
ou à ninguém
o que não há

para ser mostrado

lembrei de Adélia Prado.




 Cinema mudo
                     (Caro Liz)

Não murmuro
Não canto

Não muro
Não cato

Sigo meu ruidoso percurso murado, 
fora do mapa mundanamente mudo.   



Quem poeta? 
                   (Jo Ana)

eu poeto
tu poetas
ela poeta
nós poetamos
vós eu não sei
elas poetam


rio caudaloso no mapa?
fio d´água na mata?  
Não, quero ser apenas Yo, Ana. 



uma rosa é uma rosa é uma rosa

                                                   Turquesa


[por fim]
eu queria ser a rosa

[volto ao jardim]
e me guardar em meu silêncio genial

[as rosas não falam]
como a primavera no coração do inverno
silenciosamente prepara a materialização dos aromas

[o perfume que roubam de ti]
como o verão no coração da primavera
tacitamente arquiteta o desabrochar dos corpos

[já vai terminando o verão]
eu queria ser a rosa

[bate outra vez]
a rosa da ilha das flores
de todas as ilhas de todos os mares

[e, quem sabe, sonhavas meus sonhos]
a rosa mais comum, dos cantos mais banais
a rosa, que uma rosa, é nada mais

[mas que bobagem]
e se tola busco eu a rosa em lugares especiais

[com a certeza que devo chorar]
é porque é porque te quero bem

[devias vir]

sábado, 22 de setembro de 2012

Projeto Lerelena 3 - Exílio


Exílio 
        (Helena Kolody )


Somos tão estrangeiros nesta vida!

Vivemos doloridos e insatisfeitos.
Há sempre uma farpa aguçada
Cravada num nervo sensível.
Em tudo, sempre uma ausência,
Um travo de imperfeição.




Tentativa de desapego I (insucesso) 
                                           (Amanda)


Ando apegada em palavras...

Palavras são gotas de chuva quente
que transformam raio de sol em arco-íris
e ao cair no mar tornam a ser oceano

Ando apegada em palavras...






há no nada 
                (Olivia Lucci)

 

há algo em tudo. No nada.
no nada há algo.
nonada.
eu sou nada. Mas sou algo.
algo no nada.




Hoje 
      (Caro Liz)


a dor
adormecida
é 
doramor.



exílio: 
         (Turquesa)



a dor
(como a pedra
que ora
me chamo
me chama)
é assim:
dura
dura
dura
dura
dura



  
A perfeição não me pertence 
                                       (Jo Ana)


A perfeição não me pertence
às vezes sou oca e seca

Mas o momento brilha tanto que transborda
Na ausência sempre a presença.




Manequim na sacada
                                 (Anali Mattar)


No canto da sala de aula uma vontade incontrolável de chorar
A manequim na sacada não tem choro

Na cama contorcida um forte aperto nos dentes
A manequim na sacada não tem dente

No banho de chuveiro um grito de dentro
A manequim na sacada não tem dentro

Na rua fria um olhar contemplativo
A manequim na sacada é contemplada

Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
e a manequim na sacada. 



















quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Projeto Lerelena - 2 Loucura Lúcida

Loucura Lúcida

Pairo, de súbito,
noutra dimensão

Alucina-me a poesia,
loucura lúcida.

Helena Kolody (1988)




ainda antes de cecília   
                (Anali Mattar)

ainda antes de cecília                                                                          (da flor amarela, da menininha tão pequenina, do último andar)

ainda antes da palavra 
na saia branca da lua
na mão da moça que segura o pé
na folha dourada deitada na grama
no pano molhado que seca a pia
na folha branca guardada na gaveta
no espanto da calçada quando cai a chuva 
na possibilidade de uma nova postagem

a poesia já existe.



Entre Nuvens 
                    (Denise Vieira)

entre nuvens
e apenas para variar
olho pra baixo
e vejo apenas o que quero
poesia!





O que há de loucura na lucidez   
                                 (Olivia Lucce)

o que há de loucura na lucidez
o que há de lucidez na loucura
o que há de loucura na lucidez?
o que há de lucidez na loucura?
(um)a exclamação




Curador de doçura  quando a poeta está farta dos parênteses 
                                                   (Jo Ana)

e a loucura me aparece 
quando não tiro palavras de mim

e a cura me aparece
numa floresta de letras
escura
escura
escura

e meu corpo é um formigueiro
curador de
doçura
dorsua. 



Versos em vermelho  
                    (Caro Liz) 

sangria sem venissecção
sangria sem secção alguma

corpo planejado para sua extração
não expreme 
não puxa
deixa sair 
apenas.







lúcida helena (Turquesa)
 

lúcida helena,paragem súbita.
(é que um dia se chega ali, não é?)
escada da poesia,
coberta de poeira.
cansada, empoeirada.
porém: empoesada.
desce, sobe, descansa.
alucina.
está ali,
no degrau, na beira.
à beira da loucura,
com sua lucidez helênica.






segunda-feira, 10 de setembro de 2012

1 ano depois - homenagem a vózica


Não sei exatamente como começar o dia de hoje, 10 de setembro de 2012. Há um ano atrás, no dia nove,  cheguei no quarto 334.... Lá estava ela sendo massageada pela bota mecânica, sua pele tão branca como seus cabelos brancos, seu eu tão nosso, tão nosso... ela sempre foi nossa, nunca pensei numa vó só minha, minha vó sempre foi nossa. Naquele dia nove nós, hermanita e eu, dormíamos acordadas ao lado de sua última noite, que de última não teve nada...

ela está por todos os cantos e centros da casa do ontem, ela está na escada da casa de santo antônio, nos sonhos das crianças, em lugar de destaque na sala da trompowsky, em algum lugar guardado na beira mar, no vazio/cheio do flamboyan, na casa das meninas, neste blog, nos versos da helena, em nós todos e em mim...


Para quem não sabe, umas das minhas ligações mais fortes com a vózica (sim com acento, tente pronunciar assim), com a Jahir, com a Jô é a leitura. Ela era uma leitora voraz, tinha lido tudo e mesmo assim já com seus 89 anos releu comigo e discutia Crime e castigo, Pais e filhos, Metamorfose, O processo e Grande sertão veredas.... depois disso um de seus filhos, meu tio, foi morar em outro mundo e aí tudo mudou e ela parou de ler. Ela dizia que não era justo se divertir tanto enquanto outros amados não podiam mais se divertir. Foi triste vê-la todos os dias na janela da gama d´eça sonhando com coisas que já não podia tocar.... viver muito é muito triste, minha filha... dói muito viver quando você já se despediu de tanta gente colada em você... não desejo isso a ninguém....

Sabe, vózica, você nunca falou muito sobre poesia, ainda temos muito que conversar, por isso fiquei muito surpresa quando você presenteou minha bonequinha de cetim, nossa, afinal ela também é muito sua, um caderno, o qual você chamou de álbum de poesias, que você havia antes regalado para sua irmã Nair em 1935.

Hoje, neste dia tão especial, o dia de aniversário de sua ida para junto daqueles que tanto queria, te dedico o primeiro poema que você transcreveu a sua irmã no álbum de poesias e transcrevo sua dedicatória tão sua, tão minha, tão nossa:

Há, em torno de nós, toda uma infinidade de manifestações divinas, que, por nos habituar-nos a vê-las, parecem simples matéria bruta; e não é no burburinho egoísta da cidade que poderemos nos levantar deste caos de materialismo; é ouvindo e compreendendo a voz das cousas, o grande espiritualismo que emana de toda a natureza.
Oferto-te estes elos e significativos versos de Paulo Setúbal
com toda a afeição 

Jahir


A sombra das árvores


Aqui, na solidão destes pinheiros graves,
Eu venho, muita vez, a sós, pela noitinha,
Ouvir a natureza incompreendida, a minha
Amada, a minha amiga, a minha confidente!

Ouvir a natureza incompreendida, a minha
Essa apagada voz de surdinas estranhas,
Que vem dos ribeirões, que sobe das montanhas,
E acorda, dentro dalma, em nossa soledade,
Um místico pungir de mágoa e de saudade.

Ah! cada árvore tem uma íntima linguagem!
Ah! cada árvore tem, fremindo na ramagem,
Uma alma como nós, que nós não vislumbramos,
Mas que vibra no ar e palpita nos ramos...

Já repararam quando as brisas vespertinas
Sopram, como, a gemer, sofrem as casuarinas?
E choram os chorões? soluçam os pinheiros?
Murmuram os ipês e cantam os coqueiros
Quando o vento, a passar, balouça-os palma a palma?
Homens, reparai bem que as árvores têm alma!
Reparai que à noitinha, à luz do lusco-fusco,
O ruído, os sons da vida, estacam-se de brusco,
E cada árvore fica imersa num cismar
De quem compreende e sente a dor crepuscular...

Oh! vós que respirais a poeira da cidade,
Vós nunca entendereis a doce suavidade,
A música dorida, a estranha nostalgia,
Que vem da solidão quando desmaia o dia!

Vós nunca entendereis essa rude grandeza.
Essa infinita paz, essa imensa tristeza,
Que sai do coração da mata bruta, quando
Resplandecem no céu os astros palpitando...
É preciso viver longe da turba humana,
Longe do mundo vão, longe da vida insana,
Para sentir, amar, ouvir essa tristeza,
Que exala, ao pôr do sol, a maga natureza!

Ai! Quanta vez, eu fico a sós, pela noitinha,
Ouvindo a natureza, a inspiradora minha!
Ouvindo o pinheiral com seu gemer infindo,
Ouvindo a noite, ouvindo as árvores, ouvindo
Os ventos, e na volta exígua duma curva,
Ouvindo o ribeirão de correnteza turva,
Que vai, soturno, uivando o estrépito das águas,
Consigo rebramando incompreendidas mágoas...

E assim, no ermo da tarde, escutando, enlevado,
Esse vago murmúrio, esse rumor sagrado,
Eu quedo-me a cismar num êxtase de crente,
Como se eu estivesse a ouvir, confusamente,
A própria voz de Deus ecoar na solidão,
Povoar a natureza e encher meu coração...

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Projeto Lerelena - Desafio

Nove poetisas do sul brasileiro se propoem ao desafio de ler relendo (ler helena) e interInvencionar. A proposta é confluir e colidir a nossa letra com a dela, helena. As interInvenções serão sempre sensibilizadas por poemas seus. Nesta primeira etapa partiremos de nove poemas que serão postados a cada sexta-feira.


Desafio (Helena Kolody)

A vida bloqueada
instiga o teimoso viajante
a abrir nova estrada.





Dias a fio (Só Amanda)

Exílio vermelho
Salgado doce mar
Aonde mesmo que eu queria chegar?



Descalço (Caro Liz)

Em minha bolsa: pedra tesoura e papel
pedra quebra tesoura, tesoura corta papel, papel embrulha pedra
(a pedra é sempre um presente)
caminhar basta.


Desafio (Denise Vieira)

Vida bloqueada
teimoso viajante
abre nova estrada
nova estrada
nova estrada...


Se a estrada fosse minha (Olivia Lucce)

se a estrada fosse minha
tu colocarias os meus sapatos
e viverias a minha escolha
só minha


Desafino (Anali Mattar)

A vida dividida em blocos
sem mistério nem milagre é kumon roseano
de largo tempo alisado.


Desfio (Jo Ana)

Uma nova rua
instiga o ocupado transeunte
a não virar a esquina.

Uma nova rua
instiga o desocupado transeunte
a não seguir adiante.

Uma nova rua
instiga o transeunte
a pensar em outro caminho.

Transito roseanamente
                        instigo
e instintivamente
                      persigo
minha casacacasca de pele desfiada
e
                           sigo



Ainda cheia de ausências (Turquesa)
ainda cheia de ausências
a ideia torturada
vai doendo a madrugada

madrugada, madrugada

entornando        existir
                        elixir
ir ir                   vou             estrada