Projeto Lerelena

Projeto Lerelena

Em homenagem ao centenário do nascimento da poeta paranaense Helena Kolody iniciamos o Projeto Lerelena.

Nove poetisas do sul brasileiro se propoem ao desafio de ler relendo (ler helena) e interInvencionar. A proposta é confluir e colidir a nossa letra com a dela, helena. As interInvenções serão sempre sensibilizadas por poemas seus. Nesta primeira etapa partiremos de nove poemas que serão postados a cada sexta-feira.


Miragem no caminho (Helena Kolody)

Perdeu-se em nada,

caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.

(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho.)



domingo, 28 de outubro de 2012

Lerelena 8



Jornada
 
Tão longa a jornada!
E a gente cai, de repente,
No abismo do nada.


 Helena Kolody 



Se a soma do nada é branca
quem não mora aqui?  

(Caro Liz)



Jornada?
O nada é a jornada. Jor-nada.
Não sei o que o Jor faz ali. Faz nada.

(Olivia Lucce)



Abismos amarelos

andar é cair
o CÉU não é o limite
para um pulo abismado.

(Lívia Berthe)



lerelena lerelena lerelena

escrevê-la esvaziá-la
enchê-la revirá-la

tão curto o verso
tão longa a jornada
um nada tão cheio de tudo
um tudo tão cheio de nada

relerelena relerelena relerelena

(Turquesa)




e alguém me dizia sempre que viver muito é muito... que cair é uma bexiga que vai ficando murcha... que sentar é esperar para não cair... que segurar é remédio com dor... que sonhar é ver todos curados e só então partir.

Helena Kolody 92
Jahir Mattar 95
Anali Mattar 37 

Caio Kolody-Mattar curada.



tudo por Drummond

sempre que eu penso em escrever um poema
eu penso no sentimento do mundo
mas eu não me chamo Raimunda
e isso não tem rima nem solução

me deparo com minha imagem incompleta:
duas mãos e a ausência de rimas
um corpo que passa, um corpo que enlaça
a vontade de ser e a vontade de dizer

fazê-lo sem covardia e sem graciosidade
mas com vontade de que eu seja minha palavra
e de que minha palavra seja eu
ao ser nada

(Maia Amai)




abismo o abismo entre blocos de rascunho da vida de um mesmo roupão branco

de todos os dias passados
e de todos os dias amassados
lembro do teto manchado de sombra cinza toda vez que a cama só tinha um lado quente lembro de não ver teto no sonho claro da cama de solteiro lembro da saia verde de linha pesada em dia de sol amarelo lembro do vestido de festa sujo da volta na rua contra mão do telefone na sala de estar no cinema ao lado do teatro do exame de sangue do vento calmante de abril das idas no parque no popi no baio na lagoa do sorriso da menina vestida de rosa que segura dos cachorros brancos na foto da estante do quarto
do choro
na escada na praia no elevador na praça na garagem no semáforo no carro no banheiro na espera do ônibus no ônibus na construção no terreno baldio na arinha no chalé na água doce na feira na beira na teia na cama da boneca na sacada no quarto de hotel no voo duplo no jornal na jornada

hoje abro mais um bloco de rascunho
isso é nada?  
(Jo Ana)

 

De repente é o nada
O vazio
A incerteza

Um buraco
sem parede
e sem fundo

De repente é a liberdade
e também o erro

O que sobra
da tua ausência
o nada e
a caminhada

(Denise Vieira)




sábado, 20 de outubro de 2012

Projeto Lerelena 7

 

Grafite (Helena Kolody) 

 

Meu nome
desenho a giz no
muro do tempo.

Choveu
sumiu. 



   
Mandalas na areia 
                     (Amanda)
 

   Somos fazedores
   inventadores de ilusões   
   (Estas letras são pegadas de gaivotas no tempo)
   de rimas que nunca existiram.
   


desolha onda que vem 
                         (Lívia Berthe)


usar óculos escuro na chuva.
olhar escuro que tudo muda.
me sente.
e aquele toque de veludo com que sempre sonhei?
pintar ei.




gesso giz cré cal greda: sizígia me segreda   
                                                  (Turquesa)


que pelos céus sob os quais
vão se primaverando estrelas
em setembros
luas temporais
venha a florescência do verbo
não só fogueado em cor fátua
sobretudo sobre todos
agostos e outubros
primavera: que seja flor enquanto promessa



Serena  
       (Jo Ana)


Meu nome
sonho sem tinta
nas nuvens

Comeu
sumiu

mas alguém dormiu cantarolando a serenata 
nata do pão doce
serena 
serelena

ana apenas.



Sina 
    (Caro Liz)


e na trama do nome próprio
um é isca
dois é pista
três tristes tigres

mais um mais um mais um mais um mais um mais um
nove

a rede resiste
e a mão que firma risca a sina.  



Minha mão não tem nome 
                               (Anali Mattar)


durmo na rede
numa casa sem parede 
e na rua dos bobos número zero
o tempo é uma flor diferente na cortina do quarto 
o drama é a saia da cama
o salgado doce
o outro pouco
o eu eco rouco
o tronco
o conto
o pronto
o ponto
verde no azul abusado da joaninha no peito da mão sem nome
da menina.




          (Denise Vieira)


Tenho um eu
mutante
múltiplo


de cada um

Tenho um eu
que corre
e outro que contempla


aquele que inflama


um outro ainda
que ri
e o que chora


tenho um eu
que é meu
que me acompanha
de dia e de noite
E quando mais dias
não houver


Tenho aquele que ama
e que permanecerá
um eu que não sou mais
e aquele que virá.



onde?
                 (Olivia Lucce)


muro
que muro?
não o vejo

muro
que muro?
não o toco

muro
que muro?
não o falo

muro
que muro?
não o escuto

muro
que muro?
não o degusto

muro invisível. cego. etéreo. mudo. surdo. insípido. intocável.

muro fronteira
muro rumo





a palavra
            (Maia Amai)



dizem que a história surgiu com a palavra escrita
dizem que a palavra escrita inventou a ficção
dizem que a ficção é à base de realidade
e a minha realidade é a palavra
minha história se faz pela palavra
palavra inquieta, equívoca, opaca, angustiada
palavra escrita, história, ficção, realidade
tudo é falta
jamais preenchida
tudo é falta
palavra não dita
tudo é falta
tudo e nada
 











 









domingo, 14 de outubro de 2012

Projeto Lerelena 6 - poesia mínima


Poesia mínima
                  Helena Kolody

Pintou estrelas no muro
e teve o céu
ao alcance das mãos.



Lampejo (Turquesa)

mordeu a língua no escuro
e viu estrelas
em bem outro céu.


poesia mínima (Olívia Lucce)

azul mar tristeza melancolia serenidade falta de vontade profundeza água mágoa cor primária todos os bebês meninos são vestidos de azul aquele time de futebol que eu não gosto bandeira da onu bandeira do uruguai a cor predileta do meu pai linhas do caderno comida nenhuma alguma flor dor aguda sexto sentido olhos do meu amor saudade melhor idade tranquilidade chico indiferença o que está embaixo da pele um dos livros na estante infinito linha do horizonte céu azul

o céu é o excesso


Prato do dia (Jo Ana)

não é apenas
luz de vela
luz da lua

banho de mar

é também
luz fria
tela de led

resfriado, mulher sem batom, camisa listrada
um lado, o outro lado... 
poesia
também é
arroz com feijão. 



Sem muros (Denise Vieira)


Sem muros
pra pintar estrelas
É preciso arrancá-las das entranhas



e as estrelas na nuca (Anali Mattar)


e as estrelas tatuadas na nuca
costuram o céu
cinza mas azul 
do corpo salgado da moça pintada

e a lua enamorada
deixa cair gotas laminadas
no peito da voz rouca
do momento
do movimento
do morro dos ventos uivantes.  


Alô, alô, só quero descongestionar 
                                             (Lívia Berthe)

Não sei se é um congestionamento na tempestade ou uma tempestade no congestionamento.
Mas todos sabem que com a louca vontade de descongestionar veio.
apenas aprenda a ir, sem pensar, onde tudo pode acontecer...
 

 
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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Projeto Lerelena 5 - Ausência

 

 

Ausência                                                                   (Helena Kolody)


No burburinho do mundo,
Gritam por mim; Onde estás?
A voz diz logo: - Eis-me aqui!
Por trás da voz não há ninguém.


Leitor em noite quente (Anali Mattar)


Na bainha da cortina azul
Corro atrás da sombra
E subindo ou descendo figuro neste filme entre as paredes das coxias

Na segunda butaca da segunda fila
Ensaio um poema 
E dormindo ou de olho fechado escuto minha voz de leitor em noite quente

No preto da caixa de som
Misturo meus deuses
E pingando dor ou amor sinto o mundo pequeno

E o teatro vazio.



Sem pressa vou indo (Lívia Berthe)


A pressa de ser me faz um não ser só.
Quando serei um só átomo?
Não sei.
Sem pressa vou indo,
como um burburinho no burburinho do mundo.



édipo rei
           (Turquesa)

antropotragarte
a ti, deus mórbido
de peles nuas
de carnes cruas
semimetade sintetizada
mimetizada em divindade
tua arte arde na cidade
fome e devoração
apavoro e voracidade
querer arder em ti é assim:
comes a própria cobra
que come o próprio rabo
que é o outro lado da dobra:
só o nada sobra



Ausência (Denise Vieira)

Como suportar mais essa ausência?
Minha fonte de carinho
Minha alegria secreta
Meu menino
Meu desejo

Eu sei e tu sabes,
teríamos outras formas...
Mas quem sabe
Não é Deus
Agindo para que despertes
ou te desimpeça...

Tenho medo,
não sei como é realizar
desejo tão grande
tão difícil
Tão longa e penosa caminhada
a tua espera
Se vieres meu amor
Abraçarei o céu


Onde? 
        (Olívia Lucce)

por trás desse eco que se propaga em minha cabeça
na minha frente está a verdade que se esconde no eco
devo repeti-lo?
prefiro esconder-me.



Solo 
     (Caro Liz)


Vestida de escamas gastas
busco conchinhas no chão

e o tapa da água na areia 
minha percursão.